sábado, 8 de março de 2014

Heroínas todos os dias




Discriminadas, mas vencedoras


Confesso, sempre tive ressalvas quanto ao Dia das Mulheres. Nunca pensei que ter um dia só para nós fosse algo que pudesse ser comemorado. Aliás, isso me parece mais nos diferenciar dos homens a igualar a eles.

Fico ressabiada, pois, particularmente, sempre achei a vida da mulher complicada. Nasci em uma época em que nós já podíamos trabalhar, mas dobrado. Muito trabalho fora de casa, para pouco salário e o serviço doméstico, nada reconhecido. Isso sem falar nas “neuras” em relação à aparência, do culto à magreza, da pele perfeita, dos cabelos lisos e brilhantes; as palavras desrespeitosas nas ruas e as exigências da sociedade: trabalhar fora, estudar muito para conquistar o mesmo espaço que os homens, casar até os 30 anos, ser uma esposa e mãe perfeita, servindo a todos e a todo o momento, com humildade e doçura, porque falar palavrão e discutir é coisa de homem. Isto sem falar na TPM, que para os homens, se resume naqueles dias em que estamos nervosas e choronas, mas que na realidade, estamos sentindo incômodos e dores terríveis, além das cólicas insuportáveis.

Parece exagero, mas garanto que muitas mulheres já ouviram ou passaram por alguma dessas situações.

Exatamente por tudo isso que, hoje, vejo a data por outro ângulo. O dia 8 de março só existe porque relembra as muitas mulheres que lutaram e morreram por melhores condições de vida, a começar em 1857, quando 130 operárias morreram queimadas ao fazerem greve em busca de equiparação de salários com os homens e uma menor carga horária de trabalho. Desde então, muitas outras heroínas lutaram para que a igualdade entre sexos se tornasse realidade e, somente em 1975, a ONU decretou o dia 8 de março como o conhecemos hoje.

As mulheres conquistaram muito, e só o fizeram porque desde o início dos tempos, a desigualdade nos fez minoria. Mulheres tiveram seu sofrimento reprimido por séculos, aguentando abusos morais e sexuais como se elas fossem culpadas disso e todos tinham direito sobre sua vida (pais, irmãos, tios, avôs), menos elas próprias. E quando passaram a conquistar seus direitos, viram o preconceito da sociedade lutando contra elas.

Por que o dia 8 de março não pode ser ignorado? Porque, mesmo com todos os ganhos, um trabalhador assalariado homem ganha 25,7% mais, na média, do que uma mulher assalariada na mesma função, de acordo com dados do IBGE, em 2013. E mais, a diferença salarial só aumentou: em 2009, eles recebiam 24,1% a mais do que as mulheres; em 2010, 25%.

Porque 52% das mulheres já sofreram assédios no local de trabalho; de 10 assediados, 7 são do sexo feminino. Se hoje há 1 bilhão de analfabetos adultos, dois terços são mulheres. Cerca de 70% das mulheres já sofreram algum tipo de violência e 1 a cada 5 se tornará vítima de estupro ou tentativa de estupro no decorrer de sua vida. Além disso, o Brasil situa-se no 62º lugar no ranking de desigualdade entre sexos em 136 países, tendo como indicadores o acesso à educação, à saúde, a participação econômica e política. Baseando-se nesses dados, vemos que a nossa luta deve ser diária e não deve parar.

Assim, desejo às heroínas de todos os dias, àquelas que dão à vida e lutam por ela, mais que um “Feliz Dia das Mulheres”, mas que sejam reconhecidas e respeitadas por aquilo que são. E que o dia de hoje apenas simbolize o que muitas já passaram para chegarem até aqui, pois comemoração, só quando esses números não existirem mais.