segunda-feira, 3 de junho de 2013

Cordilheiras, jardins e pérolas



por Daniela Beny (Maceió)

Em três anos acompanhando os eventos do Magdalena’s Project percebo o quanto a geografia está presente nos meus relatos, no Brasil tivemos o cruzamento de fronteiras em Florianópolis e a busca por um território propício à criação nos Solos Férteis de Brasília. Deve haver alguma relação com a Deusa Gaia, a Mãe Terra e todas essas representações do feminino ligado à terra que encontramos em quase todas as culturas primitivas espalhadas pelo mundo, assim como nós estamos.
Agora encontrei e reencontrei pessoas preciosas em Santiago, no Mestiza, entre a Cordilheira dos Andes e a Cordilheira Costeira, num lugar onde podemos considerar como geograficamente protegido. Dentro deste terreno estivemos também num ambiente de proteção, resistência e luta, luta com delicadeza, resistência para decidir jogar um jogo diferente do enfrentamento de peito aberto, mas o enfrentamento decidindo mudar o jogo e oferecendo ombros de apoio na horizontalidade. Na fraternidade. Criando pérolas nos embates e adversidades, cultivando jardins, nos expandindo nesses espaços como água se infiltrando pelo solo, ao invés de criar mais embates e adversidades ainda – como normalmente se faz numa sociedade de enfrentamento e violência.
Somente num lugar protegido, seguro e de compartilhamento pode haver um posicionamento político e artístico, sendo um festival político de gênero, armadas através da arte, para muito além do que é considerado “normalmente” como “lugar de mulher”... “Lugar de mulher”, no palco, nas salas de ensaios, nos treinos, na rua, assistindo teatro, falando, questionando, pensando, propondo... conquistando espaço. CONQUISTANDO, e isso é bem diferente de TOMAR espaço, “ocupando espaço com autoridade” e é isso que buscamos e ouso dizer que é o que estamos fazendo [pelo menos é o que eu vi acontecer nos cinco Magdalena’s em que estava presente], sejam as que iniciaram essa longa jornada em 1986 ou uma geração que nasce agora em 2013.
Estando no Mestiza, pude ter uma visão mais ampla do campo de atuação do Magdalena’s Project, acho que por ter sido o primeiro que eu fui fora do Brasil, a mobilização política e a forma como isso impacta as pessoas que não são de teatro foi muito impressionante. Nesses momentos me questiono o quanto somos formadoras e transformadoras de opinião, o quanto nós, mulheres, podemos influenciar o mundo começando dentro de casa, mas que essa capacidade de transformação precisa se expandir, para que nos vejam, nos escutem, para que possamos mostrar o mundo sob outro ponto de vista. Que apesar de nossa força, sejamos valorizadas pelas nossas delicadezas, assim nos diferenciamos, assim os festivais Magdalenas se diferenciam dos demais, dessas pequenas delicadezas criam-se elos fortes, firmes e permanentes – como as pérolas de um colar.